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Ontem, dia 1º de abril marcou a passagem de mais um popular Dia da Mentira, data em que geralmente diversas brincadeiras são feitas e repassadas com o intuito de se enganar pessoas, mas de uma maneira leve e por vezes simpática, apenas como diversão, o que entendo até como um modo de alegremente se amenizar as agruras do nosso dia-a-dia. Ironia, porém, esta data marcar também o nascimento de uma figura importante na história do samba e que viveu boa parte de sua vida artística revestida sobre um personagem que, segundo se soube posteriormente, não condizia com seu real temperamento e atitudes, ou seja, uma dessas mentiras leves, que por vezes acabam por ganhar certo ar romântico e envolvente.
Pois bem, o dito dia da mentira marca o dia do nascimento de Antônio Moreira da Silva, popularmente conhecido como Moreira da Silva ou Kid Morengueira, o malandro personificado por ele. Nascido, segundo sua própria narração no dia 1º de abril de 1.902, na cidade do Rio de Janeiro. Filho mais velho de um trombonista da Polícia Militar , carioca da Tijuca, foi criado no Morro do Salgueiro e só iniciou os estudos aos nove anos, contudo teve que abandonar a escola aos onze anos, quando o pai faleceu, pois “filho de pobre, quando morre o pai, a coisa fica preta", dizia ele. Foi criado nos morros da cidade e formado na zona boêmia do Mangue, tendo que encarar o batente logo cedo, com uma assiduidade exemplar foi à luta para ajudar a família. Ainda criança, vendeu doces nas ruas do Rio, entregou marmita e catou papel. Na adolescência, trabalhou numa fábrica de meias e dessa época dizia que chegava a andar cerca de oito quilômetros a pé por dia, com uma comidinha muito fraca, que mal dava para enganar seu estômago e que sozinho no barraco, seu almoço era geralmente um bolo de milho e bananada, com água por cima pra “inchar o estômago”, fato que contou certa vez em uma reportagem. Levou a vida nesse sufoco até que, aos 19 anos, arrumou um emprego na fábrica de cigarros Souza Cruz, onde começou a trabalhar como ajudante de motorista e por esse período, já se apresentava em festas de conhecidos e fazia serestas em que cantava modinhas e, segundo comentava, fez muita menina chorar, dando o seu recado nas serestas. Depois de trabalhar em fábricas e tecelagens, se tornou chofer de praça e de ambulância.
Considerado o criador do samba-de-breque, Moreira da Silva, adotou a fama de malandro, quando passou a interpretar um personagem nos enredos de seus sambas de breque, o famoso Kid Morengueira, presente no seu sucesso "O Rei do Gatilho", que originou uma série de sambas que ele gravou dentro do tema cinematográfico. Nos anos 1980, era sempre lembrado no dia de seu aniversário, 1º de abril, conhecido como o Dia da Mentira e nesta data, costumava desfilar de carro no centro do Rio de Janeiro, encarnando o estereótipo do malandro autêntico, vestido de terno de linho branco, sapato bicolor de pelica ou botinha com botões de madrepérola e chapéu panamá. Aliás, como bom malandro que não anda sempre na linha, já que o “trem pega”, Moreira também teve os pés fincados na orgia. Conta-se que durante a juventude freqüentou rodas de baralho, botequins e zonas do meretrício, convivendo com malandros históricos da Lapa. Gente como Brancura, Manoel Carretilha, Waldemar da Babilônia e João Cobra, além de bambas do Estácio, como Marçal, Bide, Baiaco e Ismael Silva, tornando-se figura conhecida da boemia.
Apesar disso, para ele, a boemia foi sempre na base da "canja e ovos quentes", entretanto era consciente de seu “lero” e comentava ainda que "se o deixasse falar, o ladrão não o assalta e que se o deixasse falar muito, ainda tomava uma grana emprestada".
Para um dos maiores pesquisadores da Música Popular Brasileira, Ricardo Cravo Albin, Moreira da Silva criou essa coisa extraordinária que foi o comentário falado no desenvolvimento da melodia, nascido imediatamente depois da célebre paradinha, o breque. Um fato marcante na lembrança do pesquisador, decorre de um show dirigido por ele, onde conta que, pelo seu roteiro, Moreira encerraria a noite e devia falar em rápidas palavras sobre o time de artistas que se solidarizaram, mas tão logo soube disparou: “Negativo, meu negócio não é blábláblá! Eu vou é agradecer dentro dos meus breques”, transparecendo assim seu famoso temperamento irreverente, com resposta para tudo na ponta da língua.
Até seus 98 anos de idade, apresentou-se constantemente em shows e foi assim que chegou aos 69 anos de carreira, com 20 discos lançados, mais quatro CDs e mais de 100 discos em rpm, tendo convivido com músicos de variadas gerações e estilos, desde Pixinguinha até Gabriel O Pensador, passando por Chico Buarque de Holanda, Ary Barroso, entre outros.
Moreira da Silva morreu no dia 6 de junho de 2.000, em sua cidade natal, sendo descrito por Cravo Albin por fim em uma crítica sua, como um gênio no improviso, na graça carioca da “persona” que incorporou, o malandro do Rio, contudo o cita como um cidadão exemplar, honesto e honrado, cuja alma era lírica e seresteira como a de um passarinho, a tal ponto que a última vez que este o viu, já no leito de morte, aflito, seu pedido era de que o ajudassem a levantar fundos para quitar as despesas da clínica particular onde estava internado, marcando Kid Morengueira, para ele, como o único malandro do mundo que não admitia calote.
Na Subida do Morro
(Moreira da Silva / Ribeiro Cunha)
Chang-Lang
(Moreira da Silva / Ribeiro Cunha)
O Rei do Gatilho
(Miguel Gustavo)
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