CRAVO BRANCO
Sempre ansiava pelas noites de sexta-feira, mas essa tinha um clima todo diferente, seria algo realmente especial. Passou a semana toda ensaiando em seu imaginário os procedimentos, não iria falhar. O cruzado pausado, o facão e o facão invertido, movimentos com os quais sempre se enrolava, dessa vez estavam devidamente decorados. Tudo iria sair com flueza natural, coisa de quem tinha o domínio da dança incorporado ao seu intímo. Ela nem perceberia, que ele, embora levasse jeito pra coisa, não tinha a destreza total e característica de todo bom dançarino de gafieira, mas ele havia se dedicado. A lembrança do breve encontro com aquela jovem ainda estava totalmente intacta em sua memória. A dança com a colega, não havia sido nada de espetacular, mas a moça havia se mostrado receptível quanto ao sorriso lançado a ela, o que dava a sua beleza um realce ainda maior do que o que já merecia. Não lamentou muito quando foi tirá-la para uma dança, mas obteve uma simpática recusa, sob a alegação de já estar de partida, mas que adoraria em uma outra oportunidade. Isso lhe proporcionaria tempo para aprimorar um desempenho mais requintado e ele estava, de fato, disposto a impressioná-la.
Vestiu seu melhor terno tropical, combinando uma camisa creme com lenço e gravata na mesma cor. Jantou como normalmente fazia, mas desta vez saboreou o prato de tal maneira que a simplicidade do bom e popular feijão e arroz, ganhou ares de alimento dos deuses.
Tomou o bonde, seguiu o caminho de sempre, encontrando vez ou outra um amigo ou um conhecido e como de costume, cumprimentava a todos. Chegou ao salão e mesmo um tanto inquieto pela ansiedade de rever a moça, conseguia controlar o nervosismo. Procurou-a pelo salão e a encontrou sentada na mesa com a amiga, com a qual ele havia dançado da última vez, e mais alguns amigos. Tamanha era a sua alegria que nem notara os demais presentes na mesa, tampouco um olhar irado, direcionado por um interessado desprezado anteriormente. Convidou-a logo para dançar, tendo a moça prontamente lhe atendido e saíram os dois a bailar pelo salão. Tudo caminhava como ele imaginara.
Os passos fluíram, o ritmo condizia com os movimentos, a moça havia se encantado. Tudo perfeito. Num intervalo, surgido ao acaso, foram para o lado de fora do salão. Enquanto conversavam, não percebeu novamente o olhar irado, disfarçadamente posicionado para vigiá-los, olhar que se tornou de um rubro intenso, quando notou que o objeto de sua atenção direcionava uma flor ao seu rival, um lindo e perfumado cravo branco. O olhar irado se ofendeu, considerando a atitude por demais humilhante, se dirigiu a ele com a arma em punho. Pego de surpresa, ele olhou para o revólver. Havia tempo para correr, mas ele não se moveu. Ouviu-se o estampido e pessoas correram. Ele, dobrando os joelhos, desabou no solo. Saíra de casa contente, realizara o que foi planejado, feliz e satisfeito para perto da meia noite morrer com um tiro no peito. O corpo ali estirado no chão, os olhos redondos e um ar de sorriso em sua feição, o terno tropical, manchado de sangue e o cravo branco na mão.
(Texto inspirado no samba de Paulo Vazolini, “Cravo Branco”)
CRAVO BRANCO
(Paulo Vancolini)
Saiu de casa de terno tropical,
Camisa creme, lenço e gravata igual,
Jantou e saiu satisfeito,
Pra antes da meia-noite,
Morrer com um tiro no peito.
Ela lhe deu o cravo,
O outro se ofendeu,
Ele olhou no revólver,
Dava tempo e não correu,
Dobrou o joelho, desabou no chão,
Os olhos redondos,
E o cravo branco na mão,
Ai, o pobre, caído no chão,
De bruços no sangue,
Com o cravo branco na mão,
Com o cravo branco na mão.
Parabéns pela iniciativa...ficou muito bom o texto...
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